Menu

O homem (que não sabia) das metáforas.

"Cinco reais" - Disse o vendedor de livros apontando para eles. "Os de capa dura custam dez, os outros só cinco". Parei para olhar, eu e algumas amigas. Eram antigos e ocupavam toda a bancada que servia para os estudantes. Havia uma mala (enorme) encostada nos bancos com mais alguns livros dentro. Ele era um senhor, calça social marrom amarrada acima da cintura, uma blusa 3/4 branca combinando com o cabelo. "Esse livro custa em média trinta reais, e estou vendendo por cinco" - Insistiu. Eu apenas ouvia, não tinha um tostão, e ele persistia numa tentativa capitalista de sugar o que (infelizmente) eu não tinha. Decidi ir, agradeci, ele respondeu com um "obrigado". Quando estávamos saindo ele perguntou: "Qual o curso de vocês?". "Jornalismo" - Respondemos e voltamos a ouvi-lo. "Olha esse... está ótimo". Pegou um livro e abriu. "Vocês não encontram por esse preço em lugar nenhum". Eu ri, achei engraçado minhas vontades se confundindo. Não sabia se tentava ir ou se ouvia. "Quando encontrar com o pessoal de letras, digam a eles". "Ta bom". "Um ótimo preço, não é?". "Sim!". "Sabe o que acontece? Estou com dores terríveis nas costas. O médico pediu para eu vender tudo isso. A mala está muito pesada" - Desabafou. Fiquei pensando no que, de fato, estava pesando. Carregar por muito tempo maltrata. "Estou com dores terríveis". "Que coincidência, vivo com elas" - Pensei em responder. Preferi aderir sua ideologia: Livre-se. Compre um livro por cinco reais e alivie o meu peso, dizia nas entrelinhas. Infelizmente sua mala ainda estava cheia, mas decidir esvazia-la já é um bom começo. Por fim não comprei nada, mas assim que tive a oportunidade descarreguei os livros da mochila. Que metáfora gostosa! Estou mais leve...

Nossas profundezas.

Mergulhar é um processo. Um jogo de conquista. Observa-se primeiro o mar e suas agitações. Seus mistérios se ocultam com tamanha beleza. É uma troca: A confiança para uma entrega. Toca-o primeiro com os pés. Senti-lo é necessário. Aos poucos vai se doando as águas infinitas que tendem a profundezas. O primeiro mergulho é seguro. Os pés ainda tocam no chão, e a sensação é de ânimo. É tão gostoso, que continuar aqueles passos se torna mecânico. Vai-se andando cada vez mais, sem a preocupação de parar. Após sentir-se seguro, mergulha de cabeça! E numa resposta ao que se aprecia: Nada. Até que é necessário parar e observar. Ver onde está. Encontra-se, então, no fundo! Uma surpresa! Foi sem perceber. Deixou fluir. Estar no fundo do mar requer um apreço por aventura. Na verdade, vai além: Encontrar-se em um determinado lugar sem conhecê-lo requer coragem! Olhar pela superfície é encontrar facilidade, mas é lá em baixo, mais baixo e um pouco mais, que estão os mistérios! Um lugar deficiente de oxigênio, onde não há luz. E para descobrir, é necessário estar submerso. Não sentir o chão. É respirar, preenchendo todo o pulmão, e mergulhar. É se deliciar pelas profundezas, para só assim compreende-la. É lutar contra o fluido. É se submergir nas angustia, numa disputa sobre o autoconhecimento É conquistar! É descobrir! (Des)cobrir. Tirar a coberta.

Desmembrando.

Acorda(ria).
Pensa(ria).
Sonha(ria).
Fala(ria).
Lembra(ria).
Cai(ria).
Cresce(ria).
Perde(ria).
(...)
Ria.
Você escolhe: Tratar o verbo como futuro do pretérito do indicativo (Viveria) ou desmembra-lo (Vive. Ria).


Luyne Matos

A escrita

"Libere esse sentimento no papel,
dando movimento as mãos,
escutando as palavras do pensamento.
Dê liberdade aos seus sussurros.

A tinta da caneta quer tomar forma,
criando expectativas em ser lida pelo mundo,
ser ouvida por outras vozes.
Quer expressar-se."

Luyne Matos

Sobre o medo...

Essa semana estava na praia, sentada na minha esteira de um metro, observando cada detalhe que o mar podia me proporcionar. Estava acompanhada, e num determinado momento da conversa reparei que havia um caranguejo próximo. Nunca tive problemas com crustáceos, mas fiquei intrigada imaginando como seria levar um beliscão. Não tirei os olhos dele! Precisava estar ciente de todos os acontecimentos para não ser pega de surpresa. Até que fui chamada atenção, precisava me concentrar na conversa. Tentei esquecê-lo. Mas enquanto ouvia, o procurava. Queria ter a certeza que ele estava numa distância suficientemente confortável. Até que, por um descuido de atenção e em questão de segundos, ele sumiu! Não aguentei e deixei claro o meu medo. “Cadê o caranguejo?”- Perguntei. “Não sei”- Foi a resposta. Fiquei nervosa. “Vamos para outro lugar”- Pedi. “Se ele não está mais aqui, porque o medo?”- Fui questionada. Acontece que eu fantasiei uma situação, criei uma história onde um pequeno e inofensivo caranguejo poderia arrancar um dedo do meu pé. Tive receio, claro. Mas mesmo com medo, estava no controle, já que sabia muito bem onde ele estava. Não precisava temer o conhecido. A distância era suficientemente confortável. A partir do momento em que não o encontro, tenho o desconhecido. Não saber onde o objeto que te proporciona medo está, é a chave para a fantasia. A primeira coisa que pensei foi: Ele está aqui! Mesmo não estando. Com isso posso afirmar: De todos os males, para mim, o desconhecido é o pior. 

A tempestade.

A chuva, por mais bela que seja, trouxe consigo uma tempestade. Exatamente essa palavra: Tempestade. Em espanhol podemos dizer: La tormenta. Para nós: Tormento. Sinônimos de desordem, agitação, preocupação. Não sei diferenciar, mas diria que esse trouxe de tudo. Seja um furacão, tufão... Um TEMPORAL! Tempo-oral. É o tempo falando! Por sorte, o tempo muda ao decorrer do tempo. Eu já sabia que todo esse vendaval passaria, a questão é a consequência dele. Tudo está, literalmente, destruído, dando assim vida aos sinônimos... Uma desordem! Ainda enxergo de longe os nimbos (grande nuvem cinzenta que precipita facilmente em chuva), e posso ouvir os ruídos dos trovões que acabara de passar. Engraçado, chegou, fez seus estragos e se foi. Simples, não? O que me restou? Visualmente falando: Carcaças. Sentimentalmente falando: Recomeço. A gente sempre aprende a veranizar.

Luyne Matos

Ah neguinho....

Ah neguinho, se tu soubesses quanto sinto sua falta...

Quando fecho os olhos lembro-me dos seus detalhes. Não é fácil só te ter pelos pensamentos. A imagem da sua boca sorrindo e a sua mão entre meus cabelos permeiam sobre meus sonhos. Quero-te por perto, quero seu cheiro, seu amor me preenchendo. Vivo assim: Me pré-enchendo. Encho-me de esperança antes. Antes do seu sim, da sua decisão em me ter. Reza a lenda que imaginar é o princípio para a realização. Então vem! Vem que te sonho há um tempo, e não quero mais esperar para realizar tudo o que planejo ao teu lado. Vem que sou tua! Sou tua a cada detalhe, a cada palavra que expresso, a tudo o que partir de mim. Pertenço-te, caso queira. Vem, vem que eu preciso do seu olhar me procurando, dos arrepios que sinto como consequência do seu carinho, e do conforto que tenho ao seu lado. Conclua-me! Deixa-me despertar seus sentimentos, seja-me. Seja me(u)! Vem neguinho, como um herói a destruir todas as minhas angustias, como o príncipe a me salvar da solidão. E não demora, se apressa para os dias bons. Aconchega-me de abraços. Abraços. Há braços. Teus braços. Teu. Você. Vem! 

Da série: Encontrei no ônibus.

Sua aparência não nega a idade avançada. Os cabelos brancos, as mãos enrugadas e o corpo curvado. Mesmo domado pela velhice é clara a beleza da sua juventude. Subiu no ônibus com dificuldade e sentou na primeira cadeira que encontrou vazia. O modo que se veste chama bastante atenção, nada antigo. São peças modernas: Bermuda até os joelhos e uma blusa regata. O cabelo grisalho, liso, e um ótimo físico para a idade (Daria 68 anos). Seus olhos pequenos observam cada detalhe que passa, por vezes tenho a sensação que ele viaja nos pensamentos. O telefone toca, e ao atender percebo uma aliança em seu dedo, o que me faz viajar pelo seu mundo. Após desligar ele é tomado pelas lembranças e volta ao momento mais importante da sua vida: O baile. De olhos fechados, lembra-se de cada detalhe.
Era a primeira vez que usava aquele terno, seus amigos estavam conversando sobre os vestígios da segunda guerra, coisa que, naquele momento, ele não queria pensar. Estava ansioso, procurava a garota que havia trocado olhares na última festa. O local estava cheio, os pares dançavam ao som da valsa. Seus amigos brincavam, diziam para ele esquecê-la por alguns minutos. Decidiram ir comprar algo para beber, ele acompanhou, precisava se distrair. Enquanto caminhavam seus olhos a procurava. Não quis beber nada e ficou em pé, de frente para o centro do salão onde todos estavam dançando. Até que algo te chamou atenção: Ele percebeu que alguém te olhava. Era ela! O sorriso foi involuntário. Ela estava linda, o cabelo curto e um vestido até o joelho. A música que estava para começar era a sua favorita, ele começou a acompanhar a letra olhando para seus olhos: “Eu sonhei que tu estavas tão linda, numa festa de raro esplendor. Teu vestido de baile lembro ainda, era branco, todo branco meu amor”. Enquanto cantava ia ao seu encontro, e a convidou para dançar. “A orquestra tocou umas valsas dolentes, tomei-te aos braços fomos bailando ambos silentes, e os pares que rodeavam entre nós diziam coisas, trocavam juras a meia voz”.
Abriu seus olhos, olhou para aliança e sorriu. Tirou o celular do bolso, e decidiu ligar. Ela atendeu: “Oi”. Ele começou a cantar: “Teu vestido de baile lembro ainda, era branco, todo branco meu amor (...)”. 

Luyne Matos

O passarinho...



A orla de Aracaju me encanta, e os motivos são diversos. Vez ou outra sinto a necessidade em repor as energias ouvindo o som do mar. Há sempre uma cena, uma atitude que me encanta em meio aos passeios. Gosto de observar, quem me conhece sabe. Mês passado estava passeando de bicicleta, eu adoro, quando encontrei um pássaro no meio do caminho. Esse era especial, a ponto de me fazer parar. A cena era simples: Um pássaro que insistia em ir de encontro ao vento. Ele batia as asas, mas não saía do lugar. Por vezes ficava mais alto, por vezes ficava mais baixo, mas quanto ao lugar: Era sempre o mesmo. A força era clara, mas o vento não ajudava. O engraçado é que ele não desistia. Eu continuei parada, observando. Queria ver o momento exato em que ele conseguisse sair. Se passaram cinco minutos, e ele continuava batendo as asas. Fiquei pensando na possibilidade dele estar cansado, e que em poucos minutos desistiria. Fui enganada! Dez minutos depois ele continuava no mesmo lugar, e eu também. E ali estava seu problema, soprando com força, mas a desistência parecia utopia. Comecei a me sentir mal, quem dera eu, um ser humano que é considerado o animal mais inteligente, ter a mesma força de vontade. Se passaram quinze minutos, e dessa vez eu não desisti. Observava com o intuito de absorver para mim toda aquela disposição em enfrentar. Enfrentar. Enfrente! Em frente. Era assim que ele devia pensar. Até que chegou o momento. Foram dezoito minutos. O final não foi o que eu esperava, mas foi surpreendente! O pássaro que insistia em en(m)frent(e)ar deu a volta e se aproveitou do problema, se aproveitou do sopro, e pegou carona. Voou sem fazer muita força. O que antes era um problema, ele adjetivou na sua vida. O vento que antes ia de encontro, agora fazia parte do seu voo, era sua ajuda. Aprendi com um passarinho que é melhor sentir e deixar fluir do que lutar e viver preso a um problema. Preciso aproveitar meu voo!


Luyne Matos