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Da série: Encontrei no ônibus.

Sua aparência não nega a idade avançada. Os cabelos brancos, as mãos enrugadas e o corpo curvado. Mesmo domado pela velhice é clara a beleza da sua juventude. Subiu no ônibus com dificuldade e sentou na primeira cadeira que encontrou vazia. O modo que se veste chama bastante atenção, nada antigo. São peças modernas: Bermuda até os joelhos e uma blusa regata. O cabelo grisalho, liso, e um ótimo físico para a idade (Daria 68 anos). Seus olhos pequenos observam cada detalhe que passa, por vezes tenho a sensação que ele viaja nos pensamentos. O telefone toca, e ao atender percebo uma aliança em seu dedo, o que me faz viajar pelo seu mundo. Após desligar ele é tomado pelas lembranças e volta ao momento mais importante da sua vida: O baile. De olhos fechados, lembra-se de cada detalhe.
Era a primeira vez que usava aquele terno, seus amigos estavam conversando sobre os vestígios da segunda guerra, coisa que, naquele momento, ele não queria pensar. Estava ansioso, procurava a garota que havia trocado olhares na última festa. O local estava cheio, os pares dançavam ao som da valsa. Seus amigos brincavam, diziam para ele esquecê-la por alguns minutos. Decidiram ir comprar algo para beber, ele acompanhou, precisava se distrair. Enquanto caminhavam seus olhos a procurava. Não quis beber nada e ficou em pé, de frente para o centro do salão onde todos estavam dançando. Até que algo te chamou atenção: Ele percebeu que alguém te olhava. Era ela! O sorriso foi involuntário. Ela estava linda, o cabelo curto e um vestido até o joelho. A música que estava para começar era a sua favorita, ele começou a acompanhar a letra olhando para seus olhos: “Eu sonhei que tu estavas tão linda, numa festa de raro esplendor. Teu vestido de baile lembro ainda, era branco, todo branco meu amor”. Enquanto cantava ia ao seu encontro, e a convidou para dançar. “A orquestra tocou umas valsas dolentes, tomei-te aos braços fomos bailando ambos silentes, e os pares que rodeavam entre nós diziam coisas, trocavam juras a meia voz”.
Abriu seus olhos, olhou para aliança e sorriu. Tirou o celular do bolso, e decidiu ligar. Ela atendeu: “Oi”. Ele começou a cantar: “Teu vestido de baile lembro ainda, era branco, todo branco meu amor (...)”. 

Luyne Matos

O passarinho...



A orla de Aracaju me encanta, e os motivos são diversos. Vez ou outra sinto a necessidade em repor as energias ouvindo o som do mar. Há sempre uma cena, uma atitude que me encanta em meio aos passeios. Gosto de observar, quem me conhece sabe. Mês passado estava passeando de bicicleta, eu adoro, quando encontrei um pássaro no meio do caminho. Esse era especial, a ponto de me fazer parar. A cena era simples: Um pássaro que insistia em ir de encontro ao vento. Ele batia as asas, mas não saía do lugar. Por vezes ficava mais alto, por vezes ficava mais baixo, mas quanto ao lugar: Era sempre o mesmo. A força era clara, mas o vento não ajudava. O engraçado é que ele não desistia. Eu continuei parada, observando. Queria ver o momento exato em que ele conseguisse sair. Se passaram cinco minutos, e ele continuava batendo as asas. Fiquei pensando na possibilidade dele estar cansado, e que em poucos minutos desistiria. Fui enganada! Dez minutos depois ele continuava no mesmo lugar, e eu também. E ali estava seu problema, soprando com força, mas a desistência parecia utopia. Comecei a me sentir mal, quem dera eu, um ser humano que é considerado o animal mais inteligente, ter a mesma força de vontade. Se passaram quinze minutos, e dessa vez eu não desisti. Observava com o intuito de absorver para mim toda aquela disposição em enfrentar. Enfrentar. Enfrente! Em frente. Era assim que ele devia pensar. Até que chegou o momento. Foram dezoito minutos. O final não foi o que eu esperava, mas foi surpreendente! O pássaro que insistia em en(m)frent(e)ar deu a volta e se aproveitou do problema, se aproveitou do sopro, e pegou carona. Voou sem fazer muita força. O que antes era um problema, ele adjetivou na sua vida. O vento que antes ia de encontro, agora fazia parte do seu voo, era sua ajuda. Aprendi com um passarinho que é melhor sentir e deixar fluir do que lutar e viver preso a um problema. Preciso aproveitar meu voo!


Luyne Matos

5 tipos básicos de surdos

As pessoas não querem escutar, só querem falar. Depois de muita observação, classifiquei cinco tipos básicos de surdos. Há aqueles que só falam e pronto. Emendam um assunto no outro. Fico prestando atenção para detectar quando respiram e não consigo. Acho que inventaram um jeito de falar sem respirar. E ganhariam mais dinheiro se entrassem em algum concurso de tempo sem oxigênio embaixo d’água. Aí, pelo menos, ficariam quietas.
Existem aqueles que falam e falam e, de repente, percebem que deveriam perguntar alguma coisa a você, por educação. Perguntam. Mas quando você está abrindo a boca para responder, já enveredaram para mais algum aspecto sobre o único tema fascinante que conhecem: eles mesmos.
Há aqueles que fingem ouvir o que você está dizendo. Você consegue responder. Mas, quando coloca o primeiro ponto final, percebe que não escutaram uma palavra. De imediato, eles retomam do ponto em que haviam parado. E não há nenhuma conexão entre o que você acabou de dizer e o que eles começaram a falar.
Existem aqueles que ouvem o que você diz, mas apenas para mostrar em seguida que já haviam pensado nisso ou que sabem mais do que você, o que é só mais um jeito de não escutar.
Há ainda os que só ouvem o que você está dizendo para rapidamente reagir. Enquanto você fala, eles estão vasculhando o cérebro em busca de argumentos para demolir os seus e vencer a discussão. Gostam de ganhar. Para eles, qualquer conversa é um jogo em que devem sempre sair vitoriosos. E o outro, de preferência, massacrado. Só conhecem uma verdade, a sua. E não aprendem nada, por acreditarem que ninguém está à altura de lhes ensinar algo.
É claro que há um mix das várias espécies de surdos. E devem existir outras modalidades que você deve ter detectado, e eu não. O fato é que vivemos num mundo de surdos sem deficiência auditiva. E uma boa parte deles se queixa de solidão.
É um mundo de faladores compulsivos o nosso. Compulsivos e auto-referentes. Não conheço estatísticas sobre isso, mas eu chutaria, por baixo, que mais da metade das pessoas só falam sobre si mesmas. Seu mundo torna-se, portanto, muito restrito. E muito chato. Por mais fascinantes que possamos ser, não é o suficiente para preencher o assunto de uma vida inteira.

Eliane Brum - Jornalista